Foda-se o coletivo



(ou, reflexões de uma revolucionária desiludida)


É ilusão. Tudo ilusão. Não temos poder algum pra mudar o sistema. Não há como fazer isso. O dinheiro sempre vai falar mais alto. As pessoas nunca vão se unir em torno do bem comum. Cada um só está preocupado consigo mesmo. Foda-se o coletivo. Desde que eu fique bem, o resto não importa. Eu e as pessoas de quem eu gosto. Gente que eu não conheço? Não me importa, se eu nem conheço, que responsa eu tenho? Tem gente morrendo na perifa? E eu com isso? Não moro lá. Tem gente passando fome? Não há nada que eu possa fazer. Não tenho nada em excesso, sou pobre também, dou um duro danado pra pagar as contas e ter uma vida minimamente digna. Não me interessam os outros.

Cansei de tentar consertar o mundo. Cansei de acreditar que mais gente quer isso. Quando dei por mim, estava sozinha — a chata que fica querendo mudar o mundo. Deve ter mais meia dúzia de gatos pingados querendo isso por aí, mas nem sei onde eles estão. E depois, meia dúzia de gatos pingados não mudam porcaria nenhuma. Nem se fossem meia dúzia de Marieles. Aliás, viram no que deu, né? Se meteu com gente graúda... Se até infarto se pode produzir, imagine uma dúzia de balas. Melhor deixar quieto e não se meter. Cuidar da minha própria vida é meu lema a partir de agora.

No final, as mulheres vão acabar se calando e aceitando as coisas como são. Arrancando todos seus pelos, disfarçando os hematomas com maquiagem, cuidando de suas proles e tentado agradar seus homens. Os gays e as lésbicas, e toda essa gente que não se enquadra nos padrões normais, vai continuar morrendo pela teimosia em querer sair à luz do dia. Não, essas coisas que não são normais também não são para se ver à luz do dia. Se eles se conformassem com as sombras, nada aconteceria com eles. Os negros?  Já faço minha parte não sendo racista; não posso fazer mais que isso. Os pobres? Paciência, vão morrer na fila do SUS. Enquanto houver SUS. Depois vão morrer. Sem SUS mesmo. E pronto. Simples assim. Eu pago meu seguro saúde há décadas pra me garantir.

Esqueçam. Não há mudança possível. A gente se cansa à toa, dá murro em ponta de faca, se desgasta e não curte a vida. Descansa militante. Farei isso. A partir de hoje, descanso geral de todas as pautas sociais. Aliás, mudando vocabulário em 3, 2, 1. Descanso dessa bagaça toda.

No final, só o que importa é a gente ser feliz. Da felicidade dos outros não podemos dar conta. Aceita que dói menos. Cada um se vira como pode e eu vou cuidar só de mim a partir de agora.

Já que não vou me sujeitar ao machismo, mas também não farei discursos contra ele, porque cansei e a partir de agora é cada um por si, preciso começar a exercitar o deixar falando sozinho. Encheu meu saco? Deixo falando sozinho. Vou fazer uma máscara na pele. Ou fazer as unhas.

Feminicídio e violência contra a mulher? Meu marido não bate em mim. Não é desse tipo. E depois, se eu precisar um dia, aprendo defesa pessoal. Dou conta de mim. Toda mulher deveria fazer isso. Se elas soubessem se defender, os caras pensariam duas vezes antes de bater. Não adianta ficar berrando contra, sempre foi e sempre será assim. NADA MUDA NUNCA.

Colapso ambiental? Estou perto dos 50. Quando colapsar de verdade, tipo, faltar água, ferrar geral, nem estarei mais aqui. Não tenho filhos, portanto, responsabilidade zero com o futuro do planeta. Se não tiverem água, beberão Coca-Cola. Todo mundo adora mesmo. Que diferença vai fazer? Peixes de plástico? Praias imundas? Como peixe raramente (e de água doce, criado em cativeiro) e nem vou muito à praia. Ainda demora uns anos pra não ter mais nenhuma praia decente. Nem vou me estressar com isso.

Aliás, bora postar coisa bonita no Insta que é pra todo mundo ver como eu sou plena e feliz. Ver uns tutorias aqui sobre como parecer rica, fazer uma make da hora e só postar foto glam. O que importa se não é verdade? Nada, porque vai ser, tenho fé. Verdade não existe. Verdade é aquilo que a gente acredita. Realidade também não existe, é virtual. Sofrimento é virtual. Duvida? Porque é bobo. Ninguém sofre se tomar direitinho o antidepressivo. Bobagem, gente, essa história de que remédio faz mal. Pra que sofrer? A vida é curta!

Agrotóxico também dá nada, não. Vez ou outra compro um orgânico, ou planto alguma coisa só pra fazer pose de natureba. Envenena a terra e a água? Miga, sua loca, vamos todos morrer mesmo, de um jeito ou de outro! Deixa o povo do agrobusiness ganhar o dinheirinho honesto e suado deles. Com veneno mesmo, gente. E veneno sem imposto, sim! A comida fica envenenada, mas custa menos. Afe, vocês também querem tudo né: comida sem veneno e com preço bom ainda? Tá pensando que é assim? Quer moleza? Senta num pudim.

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