Somos mentirosos ou sádicos?
Tenho uma amiga muito querida (algumas, na real, mas é em
uma específica que estou pensando) que não quer envelhecer. Não quer ouvir
falar disso, nem pensar no assunto.
Mesmo sabendo desse desejo, por ocasião do aniversário dela eu a
felicito, desejo que todos os sonhos dela se realizem e que ela tenha muitos
anos de vida. Ou seja, minto. Ou talvez eu seja sádica. Será? Será que sinto
algum tipo de prazer em vê-la desejando duas coisas mutuamente excludentes — o sonho
de não envelhecer e o de ter uma vida longa?
Tenho certeza de que não sou só eu que faço isso. Cantamos Parabéns
a você, desejando que as pessoas de quem gostamos tenham muitos anos de vida.
Desejamos o mesmo em posts nas redes sociais. Saúde, alegria, amor, dinheiro,
paz e... vida longa.
Ou seja, desejamos às pessoas que elas envelheçam, certo?
Sim, porque não há como ter vida longa ou muitos anos de vida sem envelhecer. Mas
não dizemos “desejo que você envelheça muito e realize seus sonhos”, ou “que você
envelheça e seja feliz”.
Não deveria ser ofensivo nem angustiante dizermos para uma
pessoa que ela está envelhecendo, porque essa é a realidade. Comum a todos nós,
aliás, mesmo ao bebezinho que acabou de nascer. Nascemos e começamos a
envelhecer, gente.
Paradoxalmente, no entanto, queremos que as pessoas — nós
incluídos – não mostrem a idade que tem. E, vejam só que loucura, queremos a
experiência da idade, mas não as rugas, nem os cabelos brancos, nem a flacidez da pele, nem todas as coisinhas que acompanham a diminuição do vigor físico.
Todo mundo, e as mulheres em especial, conhece as recomendações de cor e salteado — pintem
os cabelos, injetem toxinas que paralisam um musculozinho aqui, um nervinho
acolá, usem cremes com peptídeos, com ácidos, com moléculas de sei lá o que,
comam isso, comam aquilo, tomem cápsulas de xpto, façam cirurgias e por aí
vai. Tudo para não mostrarmos a idade que temos.
Mas vamos além. Ao limite da (in)sanidade, praticamente. Além de querer ter uma vida longa sem
envelhecer, ainda fazemos de conta que conseguimos o intento. Sim, porque as
intervenções estéticas são todas apenas para fazer de conta que não estamos
envelhecendo, já que não há botox celular, nem plástica que pare o tempo. O
relógio da vida continua rodando, não importa quão jovem você pareça.
Percebem que doido isso? Criamos uma fantasia (vida longa
sem envelhecer) e tentamos a todo custo fazer com que a realidade corresponda a
essa fantasia, mesmo sabendo que isso não vai acontecer.
Não seria muito mais inteligente, não gastaria muito menos
energia, não nos pouparia de muitos dissabores se a gente se trabalhasse para
aceitar a realidade inexorável do envelhecimento? Se a gente trabalhasse para aceitar as
mudanças que o tempo nos traz? Elas são inevitáveis. Que coisa burra lutar
contra algo que, além de ser universal, é inevitável.
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