Ada e a estranha
Ada tomou um susto ao ver aquela estranha, pelada, em seu quarto. Não que fosse surpresa. Há semanas ela a via de relance, ao sair do banho, ao cruzar a porta do quarto, ao olhar rapidamente o espelho de corpo inteiro que tomava conta de um pedaço de parede entre a porta do banheiro e o armário. Chegou a pensar que fosse uma aparição, uma alma penada. E se fosse... pensou, dando de ombros. Nem vela acenderia, porque não tinha medo dessas coisas.
Era branca, a estranha. Pele bem clara, precisando de umas
sessões de hidratação intensa. Por volta dos cinquenta anos, cabelos castanhos,
comuns, começando a pratear. Dois vincos pouco profundos entre as bochechas e a
boca, outros dois entre as sobrancelhas, um melasma discreto, mas perceptível,
na testa, e linhas finas abaixo dos olhos.
Magra, peitos meio caídos, ancas acomodadas, se esparramando um
pouquinho para os lados, sabe?
Ela olhou para a estranha, que lhe devolveu o olhar com a
mesma intensidade, acrescida de um trisco de deboche. — Tá me estranhando, Ada?
— E não deveria? Não tô acostumada a ver gente estranha
pelada no meu quarto.
A estranha riu — Se deveria ou não, eu não sei. Mas, diz aí,
te incomoda eu ser estranha ou eu estar pelada? — E se jogou de costas na cama,
gargalhando, os joelhos dobrados, sacudindo as pernas acima dos quadris,
despudorada que só.
— Me incomoda você ser velha. — Agora o deboche era de Ada. Queria atingir a
outra, tão estranha e tão à vontade, como se estivesse em sua própria casa.
— Uai, por quê? Em cada aniversário você me desejou uma vida
longa e feliz! Lembra disso? Como posso ter uma vida longa, se não posso
envelhecer? Você vem mentindo para mim todos esses anos, Ada?
A estranha, agora sentada na beira da cama, mexia no armário
de Ada, em sua gaveta de calcinhas!
— É... talvez haja mesmo algo de familiar em você...
— Afe. Cê jura?
— Mas eu nunca minto. Se me conhece há tanto tempo, deveria
saber disso.
— Ah, sim. Você não mente. Esconde, disfarça, faz de conta,
finge, esquece por conveniência. Mas mentir, não mente mesmo. Vai sair hoje?
— Não. Em que mundo você vive? Não vou sair. Tenho uma live
com umas amigas.
A estranha mexia, agora, na prateleira de cosméticos de Ada.
— Passa esse hidratante. É bom e tem efeito blur.
Ada bufou e passou o creme.
— Capricha no contorno dos olhos, pra disfarçar os pés de
galinha.
Ada não respondeu e continuou se maquiando.
— Ah, passa mais um pouco de corretivo aqui ó, pra disfarçar
a olheira— a estranha apontou para a região abaixo dos olhos de Ada — e um
pouco de iluminador nesse nariz, pra dar uma levantada.
— Que saco! Eu sei me maquiar. E você não se enxerga não?
— Ah... Não é uma tarefa muito fácil.
Ada ficou em silêncio enquanto terminava a maquiagem
cuidadosamente elaborada para parecer natural. Tinha orgulho de não mostrar a
idade. Não entendia essas mulheres desleixadas, que não se cuidam, que não se
maquiam, que não se preocupam com a aparência.
Vestiu o sutiã pushup de renda, a calça jeans justa e a
camisa de tecido molengo, que escorregava um pouco pelo ombro e lhe dava um ar
sexy.
— Tons claros fazem a gente parecer mais jovem, sabia?
Ada olhou novamente na direção do quarto, mas a estranha
tinha sumido.
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