Conselhos da minha avó para um bom casamento

 

— Como assim, vovó! — Exclamei, entre surpresa e divertida, diante do comentário escandalizado da minha avó, Alice, de 90 anos, ao saber que Dan, meu marido, me assistiria parir.

 — Isso mesmo, filha! É seu primeiro filho, você não sabe como é! É uma coisa feia. Seu marido nunca mais vai querer namorar se você deixar ele ver sua margaridinha naquela hora!

— Mas vovó, ele sabe como nascem os bebês! Todo mundo sabe!

— Saber é uma coisa, ver é outra! Me escuta, minha neta! Fui casada por 70 anos com seu avô e ele sempre foi apaixonado por mim! Sempre me tratou como uma rainha!

— Eu sei, vovó.  Acho isso tão lindo!

— Mas você pensa que foi à toa? Não foi não! Tenho cá meus segredinhos.

— É mesmo, vovó? Me conta! — Ajeitei as almofadas atrás das minhas costas. O barrigão de final de gravidez estava acabando com minha coluna!

— A primeira coisa que você tem de saber é que sempre deve estar linda pro seu marido. Eu, mesmo depois de velha, nunca permiti que seu avô me visse mal arrumada ou descabelada.

— Mas vovó, como você fazia pra não acordar descabelada?

— Ora. Acordava mais cedo do que todos e me deixava apresentável. Quando seu avô acordava, eu já estava penteada, com os dentes escovados e um batom bem discreto. Porque batom forte logo cedo é coisa de mulher de vida fácil, né filha!

Não pude impedir uma risada.

— Nossa, vovó! Que trabalhão. Você fazia isso mesmo quando meu pai e meus tios eram pequenos?

— Sempre, filha. Nunca me descuidei. Esse é o primeiro segredo.

— E quais são os outros?

— Você deve manter uma aura de mistério.  Seu marido nunca deve sentir cheiros ruins vindos de você. Claro que você sabe que não deve soltar gases nem fazer número dois perto dele, né? Mas você deve ser ainda mais cuidadosa que isso. Tente fazer o número dois quando ele não estiver em casa. Não deixe o papel higiênico sujo no banheiro. Tire imediatamente para que ele pense que você nunca faz essas coisas fedidas. Evite soltar gases e tome remédio sempre que sentir que isso pode acontecer. Nunca comi repolho nem batata doce quando seu avô estava em casa!

Gargalhei. Adoro ambas as comidas proibidas, segundo dona Alice.

— Mas vovó, todo mundo faz cocô e solta pum.

— Eu sei, querida. Mas saber é uma coisa, ver é outra. Ele deve pensar que você é uma diva, e nas divas, eu tenho pra mim que o cocô evapora. Você consegue imaginar a Rita Hayworth soltando gases?

Eu estava achando aquela conversa engraçada.

— Eu sempre comi pouco. Um tanto porque comer muito é coisa de homem.  Coisa feia, mulher comendo um pratão assim — e fez sinal, com as mãos, de um prato com uma montanha de comida. Em seguida, continuou, sem se abalar com minha cara de espanto — Outro porque se comer muito a gente faz mais cocô. Eu nunca gostei disso. Deus me livre parecer homem. Essas coisas fedidas e nojentas são coisas de homem. Mulheres não deviam fazer isso. Penso que Deus errou quando criou a mulher com esses defeitos. Ele que me perdoe. Não quero duvidar da sabedoria divina — ela fez o sinal da cruz — mas acho que essas coisas nojentas começaram a acontecer com a gente depois que Eva pecou, sabe, filha! 

— Será, vovó? É a natureza, necessidades fisiológicas...

— Devia ser diferente.

— Mas vó, me conta, a senhora não tinha fome? Nem quando a senhora amamentava, comia mais? Dizem que dá fome, amamentar.

— Amamentei pouco, filha, porque não queria que meus seios ficassem caídos. Seu avô sempre teve um bom rendimento e sempre pode comprar leite bom para seu pai e seus tios. Eu passava um pouco de fome, sabe, filha! Pra não engordar e não ter de fazer muito cocô. Seu avô nem sonhava.

— É isso que a senhora quer dizer com manter o mistério?

— Sim, isso mesmo. Uma coisa é saber, outra é ver. Seu avô era um homem instruído, então ele sabia como as coisas funcionavam, mas acho que ele morreu achando que eu funcionava diferente das outras pessoas, porque nunca deixei nem um sinalzinho de que fazia essas coisas fedidas.

Eu fiz sinal afirmativo com a cabeça, incentivando-a a continuar. Depois que vovô morrera, minha avó, que todo mundo pensava quieta, havia revelado uma eloquência completamente desconhecida de todos!

— Outra coisa filha, que eu acho que Deus errou — novo sinal da cruz —, foi ter feito a gente ter aqueles dias, sabe? Nossa, é muito fedido. Nunca deixei seu avô sentir cheiro. Me lavava várias vezes por dia e nunca deixava nenhum vestígio do meu sangue no banheiro. Ele teria nojo de mim, se visse. Até eu tinha nojo! Imagine um homem!

— Nossa, vovó, mas que sacrifício! A senhora acha que valeu a pena?

— Como não, minha neta, querida. Seu avô nunca teve olhos para outras mulheres.

— E a senhora ensinou isso pra tia Ana e pra tia Nara também?

— Claro. Isso e mais uma porção de coisas. Sua tia Nara não deve ter seguido meus conselhos, né, senão não teria se separado!

— Mas vovó, tio Clézio era um grosso, um bruto! Bateu nela mais de uma vez!

— Ah filha, a gente precisa saber lidar com essas coisas. Todo homem fica nervoso de vez em quando. É muita responsabilidade ser marido e pai! O que a gente precisa fazer é ficar quieta. Não retrucar. Quando ele estiver nervoso, saia de perto, faça um cafezinho coado na hora! Ele acaba se acalmando. Nunca levante a voz para seu marido, filha. Ele deve pensar que manda em tudo. A gente sempre dá um jeitinho de fazer as coisas do nosso jeito, mas ele nunca deve pensar que perdeu a autoridade em casa. Tenho pra mim que sua tia não sabia se controlar, por isso eles brigavam daquele jeito.

— Mas vó, coitada da tia Nara. Eu achei bom quando eles se separaram. Tio Clézio era um nojento! Olhava até pra mim com cara de fome!

— Porque sua tia não se mantinha apresentável. Imagine, filha, que ela ficava em casa com aquelas calças de moletom horrorosas! Calça de moletom! Nenhuma mulher deveria usar isso! Aquelas roupas de homem. Que horror. Que homem fica feliz chegando em casa e encontrando a esposa desse jeito!

— Mas vovó, então a senhora está dizendo que o amor depende só da aparência?

— Para os homens, uma boa parte do amor depende sim, filha. Eles querem uma mulher que eles possam se orgulhar. Por isso que os homens não gostam muito dessa história de mulher independente. Eles querem se orgulhar de ter uma mulher bonita e bem arrumada, mas também se orgulhar de que que dão tudo isso a ela!

Devo ter balançado a cabeça, incrédula! Ela se empertigou na cadeira e sacudiu o dedo indicador, em sinal de advertência.

— Tem coisas que nunca mudam, filha! Eu sei que as mulheres agora trabalham fora, que os maridos não sustentam mais a família sozinhos, mas mesmo assim, você precisa dar um jeito de sempre estar bonita e cheirosa. Melhor dormir menos do que perder o marido! Ele deve saber que você é uma joia rara, que não será fácil encontrar outra como você. Não se vulgarize, filha!

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